segunda-feira, 26 de agosto de 2013

No dia que nevou


Era de manhã muito cedo. Já fazia alguns dias que ele preferia se trancar dentro de casa, rabiscando pilhas de papel. Não havia pagado a conta de luz e isso limitava bastante suas possibilidades, embora não o impedisse de vez em quando, de tomar o controle da TV e apontar para a tela. No segundo seguinte lembrava-se da falta de energia e voltava a escrever. O frio que fazia naquela manhã invadios cômodos e congelava seus ossos, era a justificativa do dia para o copo de cachaça que ele bebericava no desjejum. Tinha os olhos tristes, tão pretos e cheios de dor que refletiam nas folhas, em cada palavra de angústia, em cada rabisco de sofrimento. Era no chão que se sentava, em cima de um tapete espesso o bastante para evitar uma hipotermia. Em torno do seu corpo, como satélites, seus escritos, como se lançados em sua órbita, sem movimento. Resgatou uma folha, que de vida só mantinha uma marca escura, redonda, evidenciando o lugar que pousara a xícara de café no dia anterior. Leu, amassou, lançou mais longe. Lá fora caía uma chuva estranha, congelada, tocando os telhados em um barulhinho fino. Desde criança, o tempo sempre lhe inspirou, já sabia do poder da tempestade, mas nessa manhã o frio impedia qualquer idéia de pôr o pé fora do calor da cabeça.
Era tanto o frio que não soube bem dizer o que o fez sair, ainda por cima pouco agasalhado, enquanto granizo caíaNos fundos da velha casa, parou e olhou para os céus, pediu um milagre. O gelo tocava seu rosto incomodando. Nenhuma voz ecoou apesar da enfática demanda. Suspirou e resolveu entrar de volta se sentindo um idiota.
Ao pisar no “seja bem vindo” na entrada da porta detrás - apenas mais um de seus contra-sensos - ouviu o som da chuva sumir, mudar. Não era a voz de Deus e sim seu silêncio. Voltou-se novamente para fora. Pairando sobre o quintal, pequeninos flocos esvoaçavam pelo ar, não se caíam mais de maneira reta, direta, algo mudara. Aquilo era... Neve?! Manteve-se inerte, sem frio, hipnotizado. Nunca tinha visto tal fenômeno, o último registro desse acontecimento naquela cidade contava quase 40 anos... O vento jogava para lá e para cá os pontinhos brancos. Eram como papel picado. Eram seus escritos, perdidos e derretendo ao tocar o chão.
_ Preciso pagar minha conta de luz – o pensamento o acossou.
Acabara a breve neve, e seus olhos sorriam quase acalorados.

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