domingo, 28 de julho de 2013

A resposta [com pretensão ilusória de ser] definitiva


Por que partir para tão longe? Ora, o que se busca com a distância senão se aproximar do que nem imaginamos que existe?  Foi com excitação que eu vi meu destino ser escolhido num lance de dados. Que tal essa cidade? Por que não?! Na minha infância sempre fui um tanto fugidio, um tanto inquieto nesse sentido e uma pessoa fugidia geralmente não é bem interpretada, pois normalmente quem foge o faz por sentir-se preso, e neste caso, a quem ficaresta a alcunha de carcereiro, ninguém gosta disso. Mas é tudo culpa da semântica. Não fugi por me sentir preso, mas sim pela delícia de escapar, deixar para trás o que era conhecido. Ir para longe é um modo de desrealizar-se, deixar-se evaporar do que já foi, ter-se com a própria falta de consistência. Ir atrás do novo. E poder ser de novo, do começo, para finalmente reencontrar exatamente aquilo que parecia mesmo que já era. Fato este que até pode parecer um desperdício, ir tão longe para descobrir que não se vai, porém é o que esconde a verdadeira riqueza. Esse caminho de volta para o si mesmo é uma aventura, e é isso que guarda toda a importância. 
Fui para ser outro e me guiei  para o mesmo, esta é a resposta última...
 O que nos sobra esclarecer, é que esse blog não deixa de ser um diário de bordo dessa jornada, que por outro lado não passa de outra fuga, mas agora uma diferente, pois dessa vez é uma fuga de volta.

domingo, 21 de julho de 2013

Tarde na estação da chuva


O ar percorre os corredores da casa. Vindo lá de distante o cheiro de terra úmida pega carona na corrente. No quarto uma porta mal trancada sela um caminho, obriga o vento a se virar, assusta o menino que pensa. Pensa com o lápis entre os dedos. Apóia o queixo com as mãos. O chão é gelado, mas é superfície perfeita na estação da chuva. O menino pensa no melhor desenho, sem cor, por que isto é perder tempo, as horas devem ser reservadas ao que importa. A casa está quase vazia e tão vazia que podia se escutar os pensamentos do menino. E lá longe os barulhos do céu. As descargas desfigurando a paisagem. A inspiração é como a tempestade, mas o menino ainda não sabe, ele acha que é o cheiro de chuva e o barulho do vento. Chega a pensar em desistir, ir brincar com os “homenzinhos”, mas a trovoada se aproxima, o galope infernal da natureza. Eis que de repente um traço aqui, as mãos não tremem tanto como hoje, no entanto, a linha ainda é falha. O barulho do toque violento da água sobre as calçadas vem se fazendo da rua de baixo até finalmente alcançar toda a Colina Verde. Mal dá para conversar dentro da casa. O menino não quer conversar. Pensa um pouco mais e vê-se um brilho em seus olhos. Prepara o lápis, observa o quase branco do papel, deixa que todos os elementos se conjuguem, que o cheiro, o sons, o toque, tudo faça parte,toma o impulso derradeiro e no escorregar do lápis é lançado para fora da tempestade.
_ Menino, levanta daí e vá calçar um chinelo, tá relampeando.

domingo, 14 de julho de 2013

Meninas dançantes

Entrar na roda, sem querer dançar e acabar dançando pela impertinência de entrar. Paguei com a vergonha a minha coragem, defeito de nascença para fingir que não tenho nada com isso, quando é quase tudo que eu sou. Festa junina da escola, a quadra estava reservada para a apresentação das meninas, elas pareciam enormes, deviam ser provavelmente da quarta-série do Ensino Fundamental, muito velhas. Já devíamos ter aprontado bastante naquela noite, os comparsas de sempre se desafiavam em peripécias ainda mais ousadas. Mas quem teria a audácia de invadir a apresentação alheia? Era quase irresistível. Um, depois outro, atrapalhando várias semanas de ensaio.

 Verdade seja dita, se não reconhecemos os limites próprios, é preciso que a roda se feche, e acrescento que, se ver  preso dentro de uma roda de meninas dançantes pode ser bem angustiante para um menino ainda há quilômetros da adolescência. Punição por ir longe demais, coroada com a voz na caixa de som lembrando que não se pode entrar na quadra durante a dança. 

Restou pouco a fazer, sair de lá passando por debaixo dos braços, furando a roda mal feita foi como entrar em outra roda, daqueles que são capazes de escutar uma ordem, em forma de voz. E mais importante ainda, daqueles capazes de se constranger diante do sem limite de si mesmo. Vergonha despedaça qualquer roda que se tente fazer do ser.

domingo, 7 de julho de 2013

Ás vezes eu queria...

Ás vezes eu queria descansar. Que se findasse a preocupação. Que o mundo parasse por um dia, que eu me deixasse ser o que eu nunca quis. Tinha que ser como quem dorme, mas sem adormecer. E os outros nada mais que versões de mim, alguma boa e pouco incômoda, e assim, sem mais guerras cotidianas. O silêncio deste dia só seria seguido de mais silêncio, os vizinhos calçando sapatos de nuvens poderiam até dançar catira, sem jogos de futebol e fogos dos vitoriosos, sem gritos de bebê. O balanço faltando óleo devolveria o movimento ao universo. Não seria preciso correr para a geladeira ou para a cozinha, nem o corpo me estressaria. Eu finalmente teria o tempo, este tão ansiado e desejado, como quem possui um objeto, ou um passarinho numa gaiola. Eu finalmente tomaria o branco do papel e a imaginação não escaparia. Com o lápis na mão e alguns traçados chegaria rapidamente á terrível conclusão: Ás vezes eu queria morrer... O susto se amansa na medida em que percebo que já no escrever denuncio que a morte não está só, afinal, o barulho que o risco do lápis faz no papel me agrada profundamente.