segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A menina e o horizonte


Amava o horizonte. Com todas as forças que tinha dentro do peito. Com todo calor que lhe queimava a pele. Amava-o por estar à frente, onde o sol nasce e morre. Por estar sempre, todo tempo lá, ainda que invisível por detrás das barreiras naturais... E quem, hora ou outra, não está? Via, na sua beleza resplandecente, a poesia diária, insinuando o que havia de mais secreto dos seus pensamentos. Buscava uma pedra, prá ficar voltada para o mar, mas era ao horizonte em si, que dirigia os seus suspiros. Baixos para ninguém escutar. Fantasiados para ninguém perceber o seu amor velado. Amava-o pelo seu silêncio, pela sua paciência e discrição. Mas amava-o de maneira tão violenta, especialmente por ele estar, a cada passo seu, um passo mais longe. Inatingível como a perfeição. Ao horizonte restava o destino infeliz, de amar os olhos dela, distantes.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Na trilha da independência



É bem cedo. Mas há uma boa razão para rumarmos em direção à rodoviária, com mochilas cheias de sanduíches, garrafa de água. A juventude serve para a velhice inventar histórias. Ônibus de linha na estrada, tem que passar a salgadeira, ver o duende esculpido nas pedras, inventar nas linhas desconexas da montanha outros tantos desenhos e criaturas. Sem isso não haveria bom presságio. Preocupação de mãe já lançara algum agouro. Da entrada na estrada ao mirante do Véu de Noiva, vários passos pela terra colorida. Avistamos a beleza da natureza e decidimos, como sempre, pela mesma trilha. O roteiro já está na cabeça de cada um. Observar o cânion, de entrada, enche-nos de motivação. Muito mato até finalmente chegar no nosso primeiro ponto de descanso. A praia serve de base, a água gelada de primeiro refresco. É onde sempre almoçamos e nos molhamos pela primeira vez. Nossos sanduíches depois de horas de caminhada cheiram a banquete. Dali em diante só tende a melhorar. Passamos pelas piscinas, pouco convidativas para o mergulho, afinal, rumamos para a do Pulo. Uma queda fantástica de cinco metros. O corpo quente da caminhada se lança sobre o gelo doído, caímos tão fundo que roçamos as folhas do chão da lagoa. Saltar de ponta tonteia os corajosos. A água gelada seca no sol, a pele agradece. Dali partimos para o inigualável. Depois de uma descida tortuosa, angustiante, difícil e assustadora. Como se o acesso ao paraíso precisasse ter o mínimo de dificuldade. A Independência. Seus vários metros de altura impedem que nos lancemos do alto. Mas apenas a sua visão já vale cada escorregão. O vento, fruto da queda violenta da água, muda a estação. É possível sentir frio. Sempre fico abobalhado naquele lugar. A existência vai refinando até ficar tão delgada, tão pequena. Nadamos até as pedras, ralamos os joelhos, canelas, prá finalmente nos postarmos atrás das águas. O barulho é insurdecedor, mas a paz é quem fica rouca. Nadamos de volta, e voltamos a ralar os joelhos, as canelas. Descansamos sobre as pedras e sob os poucos filetes de raio de sol que conseguem alcançar a clareira por entre a folhagem. Não é cômodo, mas ainda assim é difícil sair dali, porém agora é momento de voltar. Seguimos por onde viemos, algumas horas e estaremos em Cuiabá, mortos, mas vivos como nunca.