domingo, 30 de junho de 2013

Tarzan das janelas


Eis que ali estava, o desafio em forma de grades. Seria eu quem naquele momento? Vários, menos eu. Tarzan ou Superman, podia escolher quem fosse eu. Não precisava ver que minha mãe deitava bem próximo, não precisava contar prá ninguém, necessariamente isso atrapalharia meu momento de heroísmo. Minhas mãos se agarravam à grade com a agilidade própria a um super herói, podiam chamar de janela, para mim ainda era uma árvore gigante, numa floresta perigosa e tudo era do maior risco imaginável, certamente havia um risco... E, para fins de emoção, esqueçam da minha mãe deitada na cama ao lado da janela. 
Respirei profundo, planejei o salto com a sabedoria e experiência conquistada durante todos os 3 anos da minha vida, todos vividos intensamente. É, eu podia fazer aquilo, nem era tão complicado assim, e além do mais, nunca caíra em toda a minha vida. Coragem sempre seria o meu defeito favorito. O pulo de um cipó para o outro e uma seqüência de fatos obscuros. O que mesmo deu errado? Doeu, é verdade, mas por que tanto desespero assim dessa mulher? Mãe, precisa mesmo gritar do meio da rua? A fralda de pano recostando no meu rosto e a pressão no cocoruto quente. Minha mãe atravessava a única avenida da cidade, indo em direção ao hospital e gritava o vizinho, enquanto isso, em seu colo, eu achava tudo esquisito. Dr. Odoni, vem logo senão minha mãe vai ter um troço aqui no meio da rua. O rosto já se molhava num tom rubro. É, talvez ela tenha razão de estar assustada...
A primeira cicatriz ninguém deveria esquecer, para um super herói pode até ser um troféu de batalha, para um homem é bom que seja uma lembrança inquestionável de que não é o Tarzan, muito menos o Superman.

domingo, 23 de junho de 2013

Uma despedida


   Chego a duvidar se existem momentos de despedidas de verdade. Quando um adeus significa nunca mais e num segundo posterior a pessoa antes parada em sua frente passa a ter uma existência esquisita, apenas nas imagens de fotografias e vídeos, vozes repetitivas e umas linhas desenhadas nas areias da memória, correndo o risco, sempre iminente, de ter o mar invadido e a marca apagada. 
   Ela o olhou profundamente com os olhos castanhos claros, enquanto puxava o casaco para evitar o frio da tarde, pretensa noite, e não pôde dizer adeus. Soava mais como o de sempre, um até logo, mas ambos sabiam que o juiz já havia decidido, implacável, sobre o futuro dos dois. Bem ou mal, não restava outra possibilidade a não ser aceitar. Não era pena de morte, embora se tratasse sim, ali, de uma morte. Nunca mais poderiam brincar de para sempre. Torcer para o tempo passar mais devagar e a conversa durar sempre um pouco mais. O que cada um pensava não poderia ser claro para ninguém, possivelmente não o era para eles próprios. Ele riu, convicto em não demonstrar fraqueza, e por que o sorriso era a única coisa que lhe restara de oposição à dor. Disse que tinha que ir. Se perguntou se tinha mesmo. Foi. Sem antes deixar a sensação do seu corpo no corpo dela, como que oferecendo mais um atributo de lembrança. Mais uma coisa prá sentir saudade. Ela manteve-se cínica, largou do abraço, alguém precisava fazê-lo. Ele foi, entretanto ainda deu tempo de dar uma última olhada e ver que ela de costas, mantinha o mesmo ar gracioso que o encantara. Ela parecia bem e ambos seguiriam suas vidas, se era até nunca mais já disse que chego a duvidar. Nos olhos dele o máximo que se podia ler, era um Quem sabe em outra vida. E ela, por sua vez, já estava de costas, e os seus olhos, portanto, ficavam na imaginação.

domingo, 16 de junho de 2013

A humanidade e o cachorro

    A humanidade é uma conquista. Num campo de batalhas sangrento, tão pouco humano. Vasta planície em nós mesmos com soldados armados até os dentes. E a guerra começa cedo. Qual era o mal em prender meu cachorro entre a parede e o sofá? Pobre animal, completamente dependente dos homens, como se fossem estes dignos de confiança. Embora o Kid não fosse bobo nem nada, e ter caído de cabeça logo nos primeiros dias não tinha lhe retirado a agilidade. Vida difícil teve esse filhote. Naquele dia éramos duas crianças, eu e meu primeiro amigo Luís. E a esperteza do cão não lhe serviu muito.  Qual o mal em judiar do cachorro? Confesso que na época era uma pergunta articulável, uns chamariam de ingenuidade, eu chamo de maldade mesmo. É preciso chamar pelo nome certo, se civilizar para mim incluiu nomear certas coisas. E aprender sobre minha própria destrutividade, agressividade não foi tarefa de fazer sozinho, e nisso eu e o Kid temos a agradecer ao Luís. Quando ele chorou foi como se suas lágrimas refletissem a minha tendência bárbara, e toda a história de força que atravessa as gerações da minha família. Ali fui colocado em cheque e algo mudou definitivamente. A construção da humanidade, obviamente não se decide numa batalha, mas há um momento onde se conquista um ponto estratégico que antecipa de maneira clara o fim. Precipita-se uma decisão, simples, e tão complexa quanto se pode imaginar. 
    Culpado, afasto o sofá, e o Kid sai correndo bem ligeiro, no máximo que suas patas o permitem. Xingo meu amigo de modo a não deixar claro o meu constrangimento. O Kid já desapareceu. Tudo bem, ele voltará abanando o cotoco. Ansiando minha presença. É da natureza do cachorro dar uma segunda chance, parece que eles acreditam mais na humanidade do que os próprios homens. Mas também, que opção eles têm?



* Antecipei essa postagem (que não seria publicada hoje) em virtude de toda a discussão sobre sociedade e violência, resultado dos protestos dos últimos dias. Se humanizar também é superar esse modelo ditatorial e violento de sociedade. O choro do meu amigo, no escrito acima, foi manifestação suficiente para repensar a minha violência, será que tudo o que está ocorrendo no Brasil, todas as manifestações que acompanhamos, serão o suficiente para que nossos políticos, representantes e população repensem a violência que há nas ações de algumas de nossas instituições? 

terça-feira, 11 de junho de 2013

As coisas pequenas que o amor traz

Nunca fui bom em falar do amor. E me dedico aqui ao tema com a advertência de que não escreverei sobre as grandiosidades do amor, embora haja tantas, mas justamente de pequenices, igualmente deliciosas, que o amor costuma me trazer.

Percebi que amor me leva onde não iria só, expande as possibilidades quando só o que eu vejo é o de sempre. Me traz o pão diferente que eu não compraria, me leva em restaurantes suspeitos de serem o que eu nunca sugeriria. Me compra um terno alinhado, me faz voltar a disney com barba na cara e me divertir ainda mais que quando criança. O amor também me desalinha os cabelos, por que acha mais bonito, quanto mais bagunçado melhor, mas insiste que sejam bem cortados. O amor me convence a tirar os sapatos prá não sujar os tapetes e me ensina o prazer de uma casa bela. Pendura os quadros, rearranja os móveis, pinta-os de amarelo. O amor me apóia a herdar velharias e acha bonito que fiquem na sala, penduro as guitarras, exponho os livros, o amor enche os olhos, sorri e concorda. O amor topa um show do Ludovic, e até se diverte comigo. Diz que música ruim dá dor de cabeça e que instrumental é canção sem pedaço. O amor me faz conhecer melhor as pessoas e se deixa conhecer aos poucos. Há momentos que o amor me desconcerta, prova por a mais b que não somos um, que cada um é outro, que se pode não ser sempre. O amor me ensina que eu sou um chato, que sei atacar na mansidão. Me convida a deixar de me infurnar nas ideias e a fazer um pouco prá variar. Em especial, o amor me mostra que as pessoas têm salvação, que cada um é uma imensidão e que além dessa grande massa irregular, há gente.
 Também o amor elogia o que eu escrevo, ressente que tão pouco sobre o amor. O que não sabe o amor é que é pura incompetência em exprimir o tamanho que tem cada coisa que ele me traz.
Agradeço com todo amor.


*essa é uma postagem extra, o compromisso da atualização toda segunda-feira continua valendo

domingo, 9 de junho de 2013

O cheiro da morte

    Seja como for não é possível se furtar do encontro com a morte. Uma das poucas certezas que se pode ter. E não há preparação, embora se tente.
    
    Uma igreja em frente a minha casa. Ao lado desta um hospital. Alguns morriam no prédio a minha esquerda e acabavam no prédio à minha frente. Naquela tarde isso ocorrera. Não sei exatamente o que me fez adentrar às grandes portas daquele templo, o fato é que lá estávamos. Nós, eu e ao meu lado, como sempre naquela época, o Alemão, o primeiro amigo André da minha vida. Pisamos porta adentro, com meu coração crescendo no peito. Alguma vertigem, afinal tinha um morto ali. Qual seria o seu rosto? Imaginei um homem. Não sei de onde... Talvez fosse o vislumbre do futuro, um daqueles momentos que nossa vida dá um salto para o fim. Era um moço, portanto, torço para que não se trate disso.
    
    Vivos tinham poucos, talvez apenas um, o que nos deu a liberdade para a curiosidade. O caixão ficava numa altura que nos impedia de observar com calma. Talvez seja a altura que todos imaginam que alguém precisa ter para fitar a morte. Nos restou subir no altar e pular para avistar. Pronto! Uma senhora, a qual nunca soube o nome, muito idosa, pequena. Haviam flores, o cheiro delas perfumava o ambiente, e marcava para sempre como o cheiro da morte. O quadro ainda se mantém firme na memória, fácil de evocar. Curioso que a primeira vez que eu tenha visto a morte, a tenha visto de relance, no salto, enquanto caía... Por outro lado, chego a me perguntar se existe outro modo. Penso um pouco e se esvai o ar de especial. Mas uma coisa ainda me chama atenção, contrasta a força da imagem com a rapidez da sua vista. 
    
    Ao tocar os pés no chão, após o salto do olhar, já não caía sozinho, a angústia me acompanhava. Vergonha de bisbilhotar? Culpa? Como se meus olhos tivessem assassinado aquela senhora... Ou seriam cúmplices?
    
    Olho para os lados procurando ver se há testemunhas. O Alemão não parece se preocupar. Alguém reza por ali. É melhor escapar enquanto é tempo. Olho para porta, aquela que conduz à vida lá fora, aquela que tem ao fundo a minha casa. Se eu apertasse os olhos contra o sol que cega de lá prá cá, quem sabe podia até ver minha mãe no portão. 

   Corremos juntos em sua direção. Um pouco impressionados, um pouco enganados. Corremos como  se fosse possível correr.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Da goiabeira ao sonho



Desci da goiabeira e fui direto para a garagem. Através do muro, lógico. Minha idade permite certas manobras. E embora haja tanto tempo a perder, por que deixá-lo esvair dando a volta até o portão.
Atravesso pelo lado direito da casa, observo os detalhes no alto da parede da garagem, permitem que a luz adentre, são bem parecidos com os da casa da minha avó. Sigo até a área da churrasqueira e do tanque. Dou uma olhada na despensa que fica fora de casa, numa casinha adjacente à área de limpeza. Dois objetos em especial me chamam atenção dentro daquele muquifinho. Uma peixeira do meu pai, lembra uma espada, quase um machete, e os cascos de uma tartaruga, pescada numa época que não havia vergonha em dizer isso. Deu um belo de um almoço.
Viro a esquerda no corredor que é a parte detrás da casa. Subo a escada para entrar na porta de metal, que está aberta. Puxo uma caixa cheia de brinquedos, mais precisamente bonecos, homenzinhos, na verdade personagens. Trata-se de um mundo de guerras violentas, lutas sangrentas, aventuras excitantes.
Deitado no chão gelado, ali eu construí esse texto. E todos os textos que viria a escrever, todas as canções. Todas as fantasias que me habitam. Todos os sonhos que me visitam. Ali foram minhas horas da infância. Acho que ali eu aprendi como sobreviver à solidão, pois não importa o quanto se está só, sempre há nossas histórias, cheias de gente.