domingo, 9 de junho de 2013

O cheiro da morte

    Seja como for não é possível se furtar do encontro com a morte. Uma das poucas certezas que se pode ter. E não há preparação, embora se tente.
    
    Uma igreja em frente a minha casa. Ao lado desta um hospital. Alguns morriam no prédio a minha esquerda e acabavam no prédio à minha frente. Naquela tarde isso ocorrera. Não sei exatamente o que me fez adentrar às grandes portas daquele templo, o fato é que lá estávamos. Nós, eu e ao meu lado, como sempre naquela época, o Alemão, o primeiro amigo André da minha vida. Pisamos porta adentro, com meu coração crescendo no peito. Alguma vertigem, afinal tinha um morto ali. Qual seria o seu rosto? Imaginei um homem. Não sei de onde... Talvez fosse o vislumbre do futuro, um daqueles momentos que nossa vida dá um salto para o fim. Era um moço, portanto, torço para que não se trate disso.
    
    Vivos tinham poucos, talvez apenas um, o que nos deu a liberdade para a curiosidade. O caixão ficava numa altura que nos impedia de observar com calma. Talvez seja a altura que todos imaginam que alguém precisa ter para fitar a morte. Nos restou subir no altar e pular para avistar. Pronto! Uma senhora, a qual nunca soube o nome, muito idosa, pequena. Haviam flores, o cheiro delas perfumava o ambiente, e marcava para sempre como o cheiro da morte. O quadro ainda se mantém firme na memória, fácil de evocar. Curioso que a primeira vez que eu tenha visto a morte, a tenha visto de relance, no salto, enquanto caía... Por outro lado, chego a me perguntar se existe outro modo. Penso um pouco e se esvai o ar de especial. Mas uma coisa ainda me chama atenção, contrasta a força da imagem com a rapidez da sua vista. 
    
    Ao tocar os pés no chão, após o salto do olhar, já não caía sozinho, a angústia me acompanhava. Vergonha de bisbilhotar? Culpa? Como se meus olhos tivessem assassinado aquela senhora... Ou seriam cúmplices?
    
    Olho para os lados procurando ver se há testemunhas. O Alemão não parece se preocupar. Alguém reza por ali. É melhor escapar enquanto é tempo. Olho para porta, aquela que conduz à vida lá fora, aquela que tem ao fundo a minha casa. Se eu apertasse os olhos contra o sol que cega de lá prá cá, quem sabe podia até ver minha mãe no portão. 

   Corremos juntos em sua direção. Um pouco impressionados, um pouco enganados. Corremos como  se fosse possível correr.

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