domingo, 16 de junho de 2013

A humanidade e o cachorro

    A humanidade é uma conquista. Num campo de batalhas sangrento, tão pouco humano. Vasta planície em nós mesmos com soldados armados até os dentes. E a guerra começa cedo. Qual era o mal em prender meu cachorro entre a parede e o sofá? Pobre animal, completamente dependente dos homens, como se fossem estes dignos de confiança. Embora o Kid não fosse bobo nem nada, e ter caído de cabeça logo nos primeiros dias não tinha lhe retirado a agilidade. Vida difícil teve esse filhote. Naquele dia éramos duas crianças, eu e meu primeiro amigo Luís. E a esperteza do cão não lhe serviu muito.  Qual o mal em judiar do cachorro? Confesso que na época era uma pergunta articulável, uns chamariam de ingenuidade, eu chamo de maldade mesmo. É preciso chamar pelo nome certo, se civilizar para mim incluiu nomear certas coisas. E aprender sobre minha própria destrutividade, agressividade não foi tarefa de fazer sozinho, e nisso eu e o Kid temos a agradecer ao Luís. Quando ele chorou foi como se suas lágrimas refletissem a minha tendência bárbara, e toda a história de força que atravessa as gerações da minha família. Ali fui colocado em cheque e algo mudou definitivamente. A construção da humanidade, obviamente não se decide numa batalha, mas há um momento onde se conquista um ponto estratégico que antecipa de maneira clara o fim. Precipita-se uma decisão, simples, e tão complexa quanto se pode imaginar. 
    Culpado, afasto o sofá, e o Kid sai correndo bem ligeiro, no máximo que suas patas o permitem. Xingo meu amigo de modo a não deixar claro o meu constrangimento. O Kid já desapareceu. Tudo bem, ele voltará abanando o cotoco. Ansiando minha presença. É da natureza do cachorro dar uma segunda chance, parece que eles acreditam mais na humanidade do que os próprios homens. Mas também, que opção eles têm?



* Antecipei essa postagem (que não seria publicada hoje) em virtude de toda a discussão sobre sociedade e violência, resultado dos protestos dos últimos dias. Se humanizar também é superar esse modelo ditatorial e violento de sociedade. O choro do meu amigo, no escrito acima, foi manifestação suficiente para repensar a minha violência, será que tudo o que está ocorrendo no Brasil, todas as manifestações que acompanhamos, serão o suficiente para que nossos políticos, representantes e população repensem a violência que há nas ações de algumas de nossas instituições? 

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