segunda-feira, 24 de março de 2014

Outra noite no pantanal

O frio da madrugada ansiava por congelar os ossos, porém o máximo que fazia era criar um grande desconforto ao encostar a pele no cano da espingarda. A janela precisava ficar aberta, era o modo de enxergar melhor quem por ventura cruzasse pela estradinha até a casa. Tudo aquilo era necessário, era a morte que pairava sobre o mato, até onde a visão alcançava. Suspirou, era impossível crer medo naqueles olhos, não tinha sono, mantinha as vistas de falcão, o dedo no gatilho, a família recolhida. Estava decidido a não morrer naquela noite. O homem disse que viria, e disse que o mataria, coisa que precisa ser levada a sério, portanto, levou. Grunhiu lembrando do acontecido, ninguém deveria espancar o filho daquele jeito, ainda mais em público, era de bom tom não intervir, pensou, mas ele enfrentou o pai do garoto, lançou-o na parede, e escutou o juramento. Provavelmente tenha sido uma ação inócua, e o pobre menino tenha sentido toda a fúria do pai mais tarde, quem sabe a única conseqüência era estar entrincheirado naquela madrugada. Mas isso não o incomodava demasiado. Sabia que nunca havia sido uma pessoa morna, não podia esperar outra coisa de si mesmo, portanto não se surpreendeu.
Num sobressalto apontou sua espingarda apoiando-a no peitoral da janela, afinando os olhos viu que uma figura se aproximava. O dedo alisou o gatilho.
- Não atire!
O gatilho convidou.
- Não atire!
A voz insistiu e ele finalmente notou um tom familiar.
_ Eu vim ajudar, tio. Não atira.
Não disse nada, mas os olhos mostraram um tom agradável. Era bom ter companhia, afinal. Uma mira a mais. Não que achasse realmente que precisaria de mais que um tiro.
As horas foram passando e a manhã foi sorrateiramente deslizando sobre o pantanal. Nem um tiro foi ouvido. Os dois homens na janela já se descontraíam e a espingarda repousava encostada na parede. A tensão ia embora com os sibilos noturnos e com a notícia de quê o homem esperado havia pegado o trem para a capital. Na casa já se podiam ouvir risadas.

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