segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A maldição do terceiro olho

    Todo dia ao abrir os olhos ela não podia resistir á insistência do destino em se fazer revelar, como um quadro nítido o futuro se desnudava diante da sua vista. Mas só as partes mais negras. Isso podia bastar, afinal, não é todo o saber que se pode sonhar? A chance de evitar o que havia de pior. Pular o caminho da dor. Salvar vidas como um herói. Ela corria contar, mas todos, presos demais ao chão que lhe sustentam não podiam crer nas palavras dela, por medo ou fraqueza, não importa. Cidades dizimadas por pragas vorazes e vinganças naturais. E eles riam. A morte dura e fora de hora das pessoas amadas. O sinal da Cruz pra deixar aquilo pra lá. Não importava a mazela que saía dos seus lábios, simplesmente não podiam acreditar. A moça viu seu poder tornar-se opaco, de que adianta seu terceiro olho se não podia convencê-los, se nada podia fazer com isso? Por fim entendeu que se tratava de uma maldição e não de um dom. Deus não é culpado de facilitar as coisas. Restava viver sabendo da desgraça que preenche os intervalos da vida e sofrer na sua espera.
   
   Certo dia abriu os olhos e, como sempre... Soube. E dessa vez era do seu destino que se tratava, o dele e o dela. Riu delirantemente triste, imaginando a reação. O que ele iria dizer? O que ele iria fazer quando soubesse?
    
   Contou na espera que alguém finalmente acreditasse nela, tinha de ser ele.
  
  Olhos nos olhos revelou que naquela manhã havia visto, com a costumeira clareza, que jamais dividiriam uma febre, jamais misturariam seus cheiros e suor, nem por um dia sequer. Ela nunca o teria sobre seu corpo ou o veria retirando suas roupas delicadamente e com amor. Seus sabores ficariam velados um para o outro, para sempre. O destino já apartara seus corpos num motim traiçoeiro e não havia o que se fazer.
Ao terminar nada se ouvia que não fosse a respiração de ambos. Ele não riu. Não fez sinal da Cruz. Focou a pupila dela e a sua doce aflição. Suspirou. Mas naquilo ele não podia acreditar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário